O Paradoxo de Querer e Temer o Amor
Talvez eu só não saiba ser amada. Talvez tenha sido isso o tempo todo. Talvez essa seja uma das muitas frases que repetimos baixinho para nós mesmos, naquele silêncio cruel que nos envolve nas madrugadas, quando a luz azul do celular ilumina um rosto cansado, mas incapaz de se entregar ao descanso. Ela surge em momentos de incerteza, pairando no ar entre uma tragada e outra, se dissolvendo na fumaça do café ou se afogando nas melodias de uma Lana Del Rey que, por alguma razão, sempre sabe capturar a melancolia que reside em nós. "Love is a dangerous thing for a woman like me to have — but I have it." Quase uma ironia, quase uma profecia. E no fundo, não sei se sinto prazer ou medo dessa sensação.
Há algo no amor que me assusta profundamente. Não é que eu não queira amá-lo. Eu só não sei como. E essa constatação me incomoda mais do que qualquer outra coisa. Porque, quando nos propomos a escrever sobre o que está por trás da ideia de ser amada, acabamos por revelar uma trama complexa de expectativas, medos, e inseguranças que ficam entrelaçadas ao nosso coração de um jeito desconcertante. Eu estou voltando de um hiato — e não é o tipo de retorno que me deixa cheia de euforia. Não estou aqui para escrever um texto que seja apenas mais um desabafo. Não. Quero algo mais profundo, algo que faça o leitor parar e pensar "Puta merda, isso sou eu." Quero algo que, ao ser lido, traga à tona uma sensação de reconhecimento. E talvez isso seja mais difícil do que se imagina. Especialmente porque, enquanto eu tentava me recompor, a ansiedade resolveu me levar para uma viagem sem aviso prévio, me deixando no hospital, com oxigênio no nariz, soro no braço esquerdo, e aquela sensação estranha de estar desconectada de tudo e de todos.
E, de alguma forma, esse episódio me lembrou da famosa pintura de Ofélia, de John Everett Millais. Quem conhece o quadro sabe o que quero dizer. Nele, vemos Ofélia flutuando suavemente em um rio, cercada por flores, entregando-se ao afogamento com uma calma assustadora. Ao contrário do que seria de se esperar em um momento de morte iminente, ela parece em paz. Quase como se sua rendição fosse a única forma de repouso que restava a ela. Não sei se você já se sentiu assim — um estado de entrega total e apática a algo que parece inevitável. Talvez o amor seja isso. Uma imersão, uma entrega que nos faz desaparecer lentamente. E, no fim, a paz se instala onde antes havia caos.
É isso o que eu vejo quando olho para minha própria experiência com o amor: um afogamento lento, mas, ao mesmo tempo, uma promessa de descanso. Porque quem nunca sentiu que, talvez, o amor seja essa armadilha disfarçada de doçura? Ele vem com promessas brilhantes de felicidade eterna, mas, no fundo, sabe-se que ele carrega consigo a possibilidade de uma dor profunda. E talvez, no fundo, o que realmente me assusta não seja o amor em si, mas o que vem depois dele. A dor, o abandono, a sensação de que mais uma vez não fomos suficientes.
Eu sei. Parece confuso, não é? Porque, de algum modo, todos nós ansiamos por amor. Estamos todos à procura de alguém que nos olhe com aquela intensidade, que nos faça sentir como se todo o resto fosse irrelevante. Queremos ser amados como as personagens dos filmes, aquelas que mergulham de cabeça em relações que parecem ser o épico da nossa existência. Mas, na vida real, as coisas são diferentes. O amor chega, se instala confortavelmente no sofá da nossa vida, e de repente a gente entra em pânico. Como se a presença dele fosse uma ameaça. Como se, a qualquer momento, ele fosse sacar uma faca e cortar nossa paz pela metade. Quem nunca teve esse impulso de fugir, de sair correndo daquilo que parecia ser exatamente o que você queria? Não é uma questão de ingratidão. É uma questão de sobrevivência.
Aqui entra um conceito interessante: a autossabotagem. Eu prefiro chamá-la de defesa mal calibrada. Porque, no fundo, não queremos evitar o amor — queremos evitar o sofrimento que vem depois dele. O abandono. A rejeição. A sensação de que, mais uma vez, não fomos suficientes para o outro. E, para evitar esse sofrimento, nós nos antecipamos. Nos jogamos fora antes que o outro tenha a chance de nos descartar. E isso acontece sem que nos demos conta. Uma resposta automática. Como um reflexo condicionado, assim como o gato de rua que se encolhe quando alguém tenta fazer carinho. Não é ingratidão. É apenas um mecanismo de defesa.
Mas e se... e se o outro não fosse nos jogar fora? E se, por um segundo, nós acreditássemos na possibilidade de que o amor não precisa ser um campo de batalha? E se ele não fosse uma guerra constante, mas algo mais fluido, mais seguro, mais... simples? Que tal pensar que, talvez, o amor não precise ser essa montanha-russa de emoções intensas, mas possa ser uma linha reta, calma, que nos leva até onde precisamos? Algo fácil, leve, sem mistérios insuportáveis. Algo que nos permita descansar, como se finalmente pudéssemos pousar depois de uma longa viagem.
Eu me pego pensando nisso enquanto releio as mensagens dele. "Para de fugir de quem te ama." E, de alguma forma, me sinto cruel. Porque sei que ele merece mais. Ele merece alguém que não se esconda atrás de muros invisíveis. Ele merece alguém que se entregue com a mesma intensidade com que recebe o amor. Mas, como explicar para ele que isso não é uma escolha? Que, por mais que eu queira me jogar no amor sem medo, existe algo dentro de mim que me impede de fazê-lo? Algo que sempre me impede de viver o amor como ele é, de forma plena e tranquila.
O amor, para mim, deveria ser simples. Deveria ser como um livro que lemos e que não precisamos ficar relendo as páginas para entender. Deveria ser como a água que flui, suave, que nos embriaga sem nos afogar. Mas, para quem passou a vida inteira aprendendo que amar é um risco, que o coração é um órgão frágil e vulnerável, que a entrega exige um preço alto demais, o amor se torna um campo minado. Ele se torna um lugar onde cada passo pode ser o último, onde cada erro é imortalizado, e onde, no fim, a dor parece sempre ser a única companheira.
Mas isso não é tudo. Porque, ao mesmo tempo em que essa visão do amor parece ser real para muitos de nós, há também outra realidade. Uma realidade onde o amor pode ser simples. Onde ele pode ser leve e fácil. Onde ele pode ser uma troca genuína, sem as máscaras que nos escondem. E eu sei que esse texto pode soar como um grande lamento existencial. Mas não é só sobre mim. Eu não estou aqui só para falar do que eu sou ou do que eu sinto. Eu estou aqui para falar sobre todos nós. Sobre a geração que cresceu com a ideia do amor romântico, comédias de Hollywood e filmes que nos ensinaram que o amor verdadeiro é a cura para todos os nossos problemas. E, quando a vida real chega e nos dá aquele soco no estômago, percebemos que o amor não é nem um pouco como as comédias românticas. É mais parecido com uma trama complicada de "Euphoria", com reviravoltas intensas e emoções profundas, onde tudo é volátil e imprevisível.
Estamos em uma era em que queremos o amor, mas, ao mesmo tempo, temos medo dele. Queremos nos conectar, mas nos escondemos atrás de telas e palavras vazias. Vivemos num mundo de aparências, onde todos estão buscando algo real, mas ninguém sabe muito bem como encontrar. Esse paradoxo — de querer algo, mas ao mesmo tempo temer sua chegada — é a realidade de muitos de nós. E, no entanto, isso não precisa ser o fim. Talvez, a solução seja mais simples do que pensamos. Talvez, a resposta seja aprendermos a ser amados. A aprender que o amor não precisa ser um fardo. Não precisa ser um campo de batalha onde sempre perdemos. Ele pode ser a calmaria, o abrigo, a leveza que sempre procuramos, mas nunca soubemos como aceitar.
Porque o que realmente está em jogo não é o amor em si, mas o medo. O medo que construímos ao longo da vida, o medo de nos entregarmos e sermos novamente feridos. E talvez seja esse o momento de enfrentarmos o medo. Talvez, o amor seja a resposta. E talvez, só talvez, esteja na hora de começarmos a acreditar que ele pode ser a salvação que tanto procuramos.
Então, quem sabe... Quem sabe é hora de reaprender a ser amada. Quem sabe seja o momento de deixar o medo de lado e finalmente deixar o amor entrar, sem reservas, sem armaduras, sem desculpas. E, quem sabe, se eu fizer isso, você também faça. Quem sabe, finalmente, possamos aprender juntos a amar sem medo.
Talvez, só talvez, a resposta esteja aqui.